Embora sejam contraditórias as ideias de construir uma casa em meio à natureza virgem e preservar o ambiente, no Sítio Santa Natureza procuramos buscar pensamentos e atitudes de aproximações e interações entre a ação humana e a meio natural. Afinal somos o meio. E chegar num lugar puro, dá mesmo vontade de não mexer em nada! Mas o homem se tornou um bicho de toca, de casa. Mas que tipo de casa? Queríamos nos tornar Canastra, e não ao contrário.
Em primeiro lugar é bom dizer com todo o carinho que temos uma amiga sem igual, a Larissa Sabatine. E foi ela que fez e nos presenteou
o projeto.
Arquiteta sensível, ela se dispôs com toda a dedicação a desenhar a casa! E conseguiu buscar uma forma real de aproveitar um platô onde não tinham grandes árvores, apenas pequenos arbustos. Assim o projeto foi desenvolvido para aproveitar a vista para a Cachoeira do Quilombo de todas as portas, além de valorizar demais a ventilação e a claridade do lugar. A forma se misturou ao cerrado mineiro, ficou baixa, comprida, parecia seguir o horizonte da Cachoeira e do Paredão que cercam todo o lugar onde escolhemos subir o Sítio. Penso que a Lari se esforçou para colocar em prática uma palavrinha dita por muitos: interação.
Em segundo lugar, temos outro círculo de amigos muito profissionais e conscientes! A Teka, a Soninha, o Lico e o Sr. Lazinho! Foram eles que do papel levantaram as paredes, portas e janelas do Sítio. Com eles aprendemos duas situações de vida: a perseverança e a possibilidade real. E vivenciamos verdadeiramente um pensamento ecológico: a reutilização de materiais com criatividade e funcionalidade.
Vamos entrar mais nesta história:
A idéia primeira sempre é não desmatar. Partindo desta dureza e inflexibilidade, ajeitamos o possível. Já tínhamos experiência com uma outra obra, na Serra da Cantareira, e sabíamos que é possível desmatar o mínimo para se fazer um casa!
Dito e feito, a casa não ocupou o lugar de nenhuma árvore, pequenos arbustos e vegetação rasteiras foram retirados.
Outra entendimento aprendido, o projeto da Larissa, incrível, melhor impossível, não previu, logicamente, as dificuldades de se construir num lugar SEM ÁGUA encanada e SEM LUZ e ENERGIA ELÉTRICA. E ainda num lugar onde VENTA DEMAIS e que nos meses de dezembro a janeiro cai muita ÁGUA!
Só vivendo lá todas as estações do ano para saber da Canastra. Este conhecimento veio, porque antes de fazer a casa, construimos um pequeno Chalé, em que os construtores lá moraram. E neste tempo foi possível perceber a natureza do lugar.
Aí o Sr. Lazinho e o Lico colocaram em prática suas sabedorias mineiras, e alteraram o telhado, que de fato era muito bonito e funcional, mas poderia sofrer com o vento e fortes chuvas de verão. A arquiteta Larissa com seu profissionalismo alterou alguns pontos e foi decidido por uma cobertura mais simples, de duas águas. Perdemos o charme inicial do telhado deslocado, janelas de vidro acima das esquadrias, mas ganhamos em tempo e segurança.
As portas não foram de vidros inteiros, como projetado no início, optamos por por janelas com pequenos recortes, devido ao vento e a manutenção. Além de, no início do Sítio, termos um transporte muito complicado, o frete de grandes vidros era impensável, as estradas muito emburacadas e o acesso ao local, lá em cima, bem fechado de mato.
Sem falar que pássaros trombam demais nestes entraves em suas áreas de vôo. Sabemos disso por experiências outras. E lá, tudo era tão intocável, que não queríamos perturbar mais do que já havíamos perturbado.
Portas de correr em uma área rural? Com o sol e a chuva constantes certamente sofreriam ajustes a todo o momento. Manutenção a quase 40 KM de cidade mais perto é complicado. Então Teka e Soninha deram conta de desenhar uns portões parecidos com antigos galpões. Deu certo depois de alguns ajustes. E utilizamos dobradiças de porteira, que ficou total rural! Afinal, estamos na roça, uai!
E o forro de madeira, só no teto dos quartos. Quentinho e contra ratos e outros bichos. Sala e cozinha sem paredes separando-as e teto sem forro, fogão a lenha no meio, dividindo um ambiente do outro. Insistimos com esta ideia de não forrar mesmo havendo de vez em tempo umas goteiras teimosas, devido aos desajustes das telhas.
Como a obra foi feita todinha sem energia elétrica, somente no gerador, do jeito que a madeira chegava, pouco se cortava, aí a casa foi ganhando meio metro de um lado, meio de outro, e ao fim, ficou maior que o projeto!
Os tijolos de demolição, antigos, com cem anos, deram às paredes um modo muito largo e parrudo. Eles foram rejuntados com o tradicional "DOIDÃO", uma massa feita com muito terra vermelha, e assim a cor da casa ficou muito integrada com o ambiente, tudo de barro, cerâmica e madeira.
O piso de cimento queimado com ladrilhos hidráulicos de demolição, ficou tipicamente brasileiro. Viva os mineiros que são incríveis com a arte de fazer este chão.
Quanto aos banheiros, eles vêm de uma inspiração que tive nas andanças pelos cantos deste Brasil. Cimento queimado no chão com meia parede também deste acabamento. Com azulejos antigos, só na pia, para higienizar e enfeitar.
Um ano e meio sem energia elétrica foram vividos nesta casa, com total tranquilidade, pois ela ficou bem iluminada com telhas de PVC intercalando as de cerâmica, janelas com ventilação correndo para todos os cantos e ainda água quente!
O aquecedor solar foi uma empreitada. Insistimos bastante na ideia, pois foram várias manutenções, até subir a caixa d'agua já construída e instalada foi preciso! Mas depois tudo se ajeitou e ele funciona perfeitamente, servindo dois banheiros e a pia da cozinha.
É de fato muito bom e ecológico total, pensar que o mundo poderia se esbaldar com este tipo de energia.
Lugar que adoramos na casa:
O pátio que separa dos dois ambientes - cozinha/sala e quartos ficou muito charmoso! Cheio de florzinhas e um lindo pergolado, inventado de última hora, com sobras de tora de eucalípto!
O corredor onde fica um pequeno altar é nosso encanto, pois é ele que liga os quartos com a sala, clareando tudo em volta. É um canto sattva, sútil, onde as energias se concentram e nos abençoa.
O fogão à lenha é um xodó, cozinhar nele é demais, e sempre queimando os dedos com o calor que sobe de repente das lenhas em chama.
A sala que ficou aconchegante, faltando uma lareira, que vamos um dia implementar para os tempos de frio, pois no calor, gostamos mesmo é de ficar espalhados nas redes que ficam por todos os cantos no sítio, e nas largas varandas com chão de cimento queimado.
Do mais, como diz Pablo Neruda no poema "La Sebastina", só faltava florescer. E isso a Primavera se encarrega. Aí já digo que com enxada, vontade e ajuda, não há pedra que não se torne solo rico, pronto para frutificar e florescer!
Assim colaboramos com o preservar, depois de perturbar o lugar com nossa presença, o mínimo que podemos fazer é plantar e lá já deixamos dezenas de mudas e queremos continuar, afinal quem sabe um dia possamos nos tornar um pouco Canastra.
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Gratidão eterna aos amigos Larissa (a arquiteta) , Teka e Soninha (a marcenaria)
Lico, Lazinho e seus filhos ( os construtores).
Aos nossos vizinhos.
E aos queridos e amados que lá nos
ajudaram com o realizar desta
iluminada casa!